Márlon Reis, juiz da Ficha Limpa,
deixa a magistratura e será o advogado da Rede, de Marina.
Por Fernando Rodrigues
UOL
O juiz Márlon Reis, 46 anos, anunciou nesta
2ª feira (25.abr.2016) que está deixando a carreira no Poder Judiciário. Ele
vai abrir um escritório em Brasília e já tem um cliente: a Rede
Sustentabilidade, partido que tem como maior líder a ex-senadora Marina Silva.
Márlon é de Tocantins, mas foi como juiz de
direito no Maranhão que ganhou notoriedade. Passou 19 anos na magistratura.
Notabilizou-se durante a campanha para aprovar a Lei da Ficha Limpa, que proíbe
políticos já condenados em segunda instância de disputarem eleições.
Essa lei “determina a inelegibilidade, por 8
anos, de políticos condenados em processos criminais em segunda instância,
cassados ou que tenham renunciado para evitar a cassação, entre outros
critérios'' –leia a descrição completa.
“Em novembro de 1999 conheci Francisco
Whitaker, secretário-executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz. Ele havia
acabado de liderar a conquista da primeira lei de iniciativa popular da
história do país”, relata Márlon.
Em 2002, o juiz do interior do Maranhão
ajudou a criar o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, o MCCE. Foi esse
grupo que depois elaborou a minuta do projeto de lei que ficou conhecido como
“Ficha Limpa”. Foram coletadas mais de 2 milhões de assinaturas antes da
entrega ao Congresso Nacional. A aprovação se deu em 2010, com a Lei
Complementar 135.
“Tive a felicidade de sugerir o nome pelo
qual a lei se tornou conhecida no Brasil e no mundo: Ficha Limpa. Sempre disse
que ainda mais importante que os novos marcos legais era o fato de havermos
mobilizado o país inteiro num debate relativo ao passado dos candidatos, tema
para o qual até então não se dava a devida importância”, declara Márlon.
Por que decidiu deixar a magistratura?
“Atendo, especialmente, ao convite que me foi formulado pela Rede
Sustentabilidade, a cujo corpo jurídico me incorporarei. Tenho por Marina Silva
e pela Rede uma admiração cidadã. Será um prazer lutar no campo jurídico ao
lado de pessoas tão valorosas e com quem comungo tantos valores”.
Márlon diz não ter interesse por disputar um
cargo público. Vai se fixar em Brasília para “acompanhar prioritariamente
causas eleitorais perante os Tribunais Superiores”.
“Estarei disponível para defender
profissionalmente em juízo todas as causas em que eu acredite e que não contrariem
a minha biografia, sem preconceito quanto a partidos. Aprendi que em todos os
lugares há bons políticos. E que são esses os que normalmente mais precisam de
apoio por sofrerem perseguições das mais diversas origens, às vezes partidas de
seus correligionários”, declara.
Acompanharei
prioritariamente causas eleitorais perante os Tribunais Superiores
Por Márlon Reis
“Decidi
deixar o cargo de Juiz de Direito no Estado do Maranhão.
“Em minha
trajetória profissional voltei meus olhos para um problema crônico que, a
princípio, imaginava ser mais grave nas pequenas cidades do interior nas quais
dei meus primeiros passos na magistratura. Depois iria descobrir que a
comercialização de apoios políticos e de votos é a tônica nas eleições
brasileiras.
“A compra do
voto em Alto Parnaíba decorre da mesma lógica que preside as descobertas
realizadas pela operação Lava Jato.
“Ingressei
na carreira de magistrado em fevereiro de 1997. Em novembro de 1999 conheceria
Francisco Whitaker, Secretário Executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz.
Ele havia acabado de liderar a conquista da primeira lei de iniciativa popular
da história do país.
“Depois de
presenciar a dependência dos eleitores e a violência da compra do voto, me
aproximei daquele movimento importante, que havia conseguido incluir na lei
eleitoral uma norma que simplesmente tornava possível a cassação de praticantes
dessa conduta abjeta.
“Passei a me
dedicar ao estudo dessa matéria. Logo estaria dando meus primeiros passos na
difusão da lei contra a corrupção eleitoral, até que, em 2002, daria a Chico a
ideia de criarmos o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – MCCE.
Esse
movimento seria anos depois responsável pela elaboração da minuta do projeto de
lei denominado “Ficha Limpa”. Dois milhões de assinaturas lastrearam a sua
entrega ao Congresso Nacional.
“Fui um dos
redatores da minuta. E tive a felicidade de sugerir o nome pelo qual ele se
tornou conhecido no Brasil e no mundo: Ficha Limpa. Sempre disse que ainda mais
importante que os novos marcos legais era o fato de havermos mobilizado o país
inteiro num debate relativo ao passado dos candidatos, tema para o qual até
então não se dava a devida importância.
“Tivemos que
superar uma missão praticamente impossível: mudar décadas de tradição
doutrinária e jurisprudencial que condenavam as inelegibilidades a pouca ou
nenhuma serventia. Derrubamos muitos tabus, como o da aplicação do princípio da
presunção de inocência ao Direito Eleitoral.
“Aos poucos
construímos juntos, todos os que participávamos daquelas ações e estudos, um
novo Direito Eleitoral.
“Até o final
da década de 90 a Justiça Eleitoral quase não conhecia ações judiciais
eleitorais. Hoje, é o espaço de lutas renhidas. As eleições brasileiras são
certamente as mais litigiosas do mundo. Os dados que apresento em palestras no
exterior invariavelmente surpreendem o público por seu gigantismo.
“Uma das coisas
de que mais me orgulho foi de haver sido o protagonista de outra mudança
extremamente importante: fui o primeiro juiz brasileiro a impor aos candidatos
o dever de relevarem os nomes dos seus financiadores de campanha. Fiz isso em
2012, quando começava a ser aplicada a Lei de Acesso à Informação. Tive a ideia
de aplicar seus postulados ao campo do Direito Eleitoral.
“A medida
foi inicialmente criticada. Logo outros juízes de todo o Brasil seguiram meu
exemplo, até que a Min. Carmem Lúcia, então Presidente do Tribunal Superior
Eleitoral, estendesse a providência a todos os candidatos do País.
“Os
eleitores e, particularmente, a imprensa puderam saber muito mais sobre o
financiamento das campanhas ainda enquanto as campanhas se desenrolavam. Foi
curioso ver que numa das capitais brasileiras todo o financiamento de um
candidato a reeleição para prefeito era financiando por apenas quatro empresas,
todas empreiteiras, cada uma doando 2 milhões e 500 mil reais.
“Essa
iniciativa me rendeu o prêmio UNODC, concedido pelo Escritório da ONU contra as
Drogas e o Crime.
“Tive a
oportunidade de estudar academicamente os fundamentos das transformações do
Direito Eleitoral das quais fui eu mesmo um dos protagonistas. Isso me levou a
alcançar o título de Doutor em Sociologia Jurídica e instituições políticas
pela Universidad de Zaragoza, na Espanha.
“Tornei-me
um devotado estudioso do Direito Eleitoral. Publiquei o livro Direito Eleitoral
Brasileiro, agora em sua 3ª edição. Atuei por mais de 10 anos como juiz
eleitoral.
“Entre 2008
e 2009 tive a honra de exercer o cargo de Juiz Auxiliar da Presidência do
Tribunal Superior Eleitoral, atendendo a convite do célebre Ministro Carlos
Ayres Britto.
“Até hoje
proferi mais de 200 palestras, fui e sou professor em diversos programas de
pós-graduação em Direito Eleitoral. Participei do processo de formação de
centenas de Juízes e Promotores Eleitorais, além de falar ao Colégio de
Presidentes de Tribunais Regionais Eleitorais por mais de uma vez. Fui também o
professor de centenas de advogados por todo o Brasil.
“Minhas
ideias me levaram a quatro continentes. Fui convidado a ministrar cursos e a
proferir palestras na Alemanha, Tunísia, México e Malásia. Estive como
convidado em eventos no Canadá e nos Estados Unidos. E fui selecionado para o
Draper Hills Summer Fellowship Program, da Universidade de Stanford, na
Califórnia, onde estudei em 2012.
“Depois de
tanto acúmulo de experiência decidi dar um rumo profissional totalmente
diferente à minha trajetória.
“Regresso
agora à profissão de advogado, que exerci com afinco antes de me tornar juiz.
“A mesma
devoção e o mesmo afinco que sempre dediquei às ideias em que acredito agora
estenderei à defesa dos interesses dos meus constituintes.
“Atendo,
especialmente, ao convite que me foi formulado pela Rede Sustentabilidade, a
cujo corpo jurídico me incorporarei. Tenho por Marina Silva e pela Rede uma
admiração cidadã. Será um prazer lutar no campo jurídico ao lado de pessoas tão
valorosas e com quem comungo tantos valores.
“Em,
Brasília, onde me fixarei profissionalmente, acompanharei prioritariamente
causas eleitorais perante os Tribunais Superiores. Pretendo influir na
aplicação das leis que ajudei a fazer e que modificaram completamente o Direito
Eleitoral brasileiro.
“Estarei
disponível para defender profissionalmente em juízo todas as causas em que eu
acredite e que não contrariem a minha biografia, sem preconceito quanto a
partidos. Aprendi que em todos os lugares há bons políticos. E que são esses os
que normalmente mais precisam de apoio por sofrerem perseguições das mais
diversas origens, às vezes partidas de seus correligionários.
“Também
estarei pronto para atacar registros de candidatos claramente inelegíveis ou
campanhas realizadas em desconformidade com a lei.
“Estarei
pronto para, a convite de outros colegas advogados, elaborar pareceres sobre
temas eleitorais relevantes.
“Seguirei,
também, meus cursos voltados ao grande número de advogados que cada vez mais
buscam especialização em Direito Eleitoral.
“Em conjunto
com Luciano Santos, fundarei em breve o Instituto Plurais, organização que
objetiva a defesa de direitos afetados por graves violações de natureza social
e ambiental. Será uma forma de agregar uma função social ainda maior ao
exercício das minhas atividades como advogado.
“Seguirei
membro do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral. Deixo a representação da
Associação dos Magistrados Brasileiros, cuja direção tive a honra de integrar
até o momento, para passar a representar no Movimento a Ordem dos Advogados do
Brasil, por deferência do Presidente do seu Conselho Federal, Claudio
Lamachia”.